segunda-feira, dezembro 26, 2005
natais pequeninos (a propósito de natal, recordação de 2004)
Se calhar, mais do que tudo, existimos nela, a tal memória que nos cola os cacos que um dia nos aparecem à frente como uma barreira intransponível. uma daquelas barreiras pequeninas e cobardezinhas, que cortam o olhar de quem quer passar além.
Vivemos todos atrás de uma barreira assim, pequenina e cobarde.
Só a memória leva até ao outro lado.
Eu sou só a mais longa memória do que vivi, do que vi e do que pressenti. e sou ainda a viagem constante entre rostos que me deram a vida que todos os dias me sobra, do muito que já me coube.
Quero cada vez menos natais pequeninos de shoping center, habituada como estou às mordomias de natais diários, em trocas de amigos que vão onde eu for, onde quer que seja o norte.
natal adiado
Ficou longe, como se a retina tivesse embaciado, o Natal grande, à volta de uma mesa que pensávamos eterna. Hoje, temos uns natais pequeninos, feitos de restos dos sonhos que ainda não cumprimos. Esperamos – ainda - o natal que nos abrigue, num templo em que cabem todos os deuses e ninguém se esquece dos que sofrem, dos que morrem de solidão e desamparo, das crianças não amadas, dos que sobram nas famílias. Dormiremos a sono solto, um dia, quando o Natal for para todos, como as praças das cidades, as árvores das montanhas, os mares de todos os tempos, o céu de todos os mares.
sábado, novembro 12, 2005
há muitos anos que o meu coração abre e fecha

o meu coração
abre e fecha
acho que não exactamente
segundo as normas em vigor
mas francamente
para quem tem uma ferida aberta
ou duas
nem sei se três ou quatro...
mas
não afiem a faca cortadores,
não contem comigo;
isto é de nascença:
como as sístoles e diástoles dos pés
dos hexâmetros trocaicos
(sem ofensa)
alberto pimenta, as moscas de pégaso (& etc)
terça-feira, novembro 08, 2005
luís carlos patraquim, "aqui me esqueço do que me querem"
Aqui me ergo, pendurado em panos às janelas, imagem de despudor sem mim. Porque aqui me esqueço do que me querem. Da história que me fizeram e fui. Olhem estas paredes que respiram! Arfam? Olhem onde não me posso esconder, no laborioso percurso das tardes jogando-me, brincando, obsessivo geründio doutra estória às avessas da história, onde nao me vissem mais, quando me distraio, viandante de mim nos alvéolos iluminados do tempo.
corsino fortes, o olho da ilha

fotografia de marzio marzot
Proposição
Ano a ano
crânio a crânio
Rostos contornam
o olho da ilha
Com poços de pedra
abertos
no olho da cabra
E membros de terra
Explodem
Na boca das ruas
Estátua de pão s6
Estátuas de pão sol
Ano a ano
crânio a crânio
Tambores rompem
a promessa da terra Com pedras
Devolvendo às bocas
As suas veias
De muitos remos
Corsino Fortes, pão & fonema
segunda-feira, novembro 07, 2005
ana mafalda leite, "as asas sem rumo"

fotografia de patrícia maia
pergunto-me
que passaporte é necessário para chegar ao coração
que visto ou certificado que senha ou passe
aque abracadabra
ou que carimbo mágico
acendem os círculos
acham a sua terra
terra prometida
atlântida e sonho
eu que tenho asas e vou sem rumo
Ana Mafalda Leite, Passaporte do Coração
terça-feira, novembro 01, 2005
lá no fundo damo-nos todos bem...
De vez em quando dá mostras de estar vivo, ao desenhar os ténis em fim com que enche as folhas de linhas do caderno ou os símbolos do Wrestling, que o fazem sorrir como se o riso não fosse dele. O sorriso do David é uma verdadeira bofetada nos dias mundiais da criança. Porque o David pertence àquel grupo que parece já ter visto tudo. E não gosta do que vê nem do que sabe. No entanto, como qualquer homem de honra, jamais trairá o segredo da família. Aquela é a sua família e a sua gente.
Com mais ou menos dor, como dizia ele na composição em que contava a história dos arrufos familiares, lá no fundo damo-nos todos bem....
domingo, outubro 23, 2005
biografia tardia por incompatibilidades de template

Nasceu em 1950, por alturas da Primavera, em Vila Nova de Gaia, uma cidadezita que lhe parecia ser do tamanho do mundo. Ampliou a geografia de origem com a partida para Coimbra, em que se defrontou com a história do país a preto e branco que até aí lhe parecera a cores.
Exilou-se por vontade própria, mais do que por imperativos políticos. Viveu entre Itália e Portugal oito longos anos, de fulgor e muita mágoa pela separação. Descobriu cedo que a pátria é um conceito permeável.
Criou dois filhos, entre cantigas e bastantes histórias com futuro, que continuam à espera de um epílogo feliz. Passou por Camões, num Instituto onde dirigiu a Acção Cultural Externa, título e honrarias que lhe passaram ao lado, na fúria de inventar um lugar para uma cultura fora dos lobis e do umbigo lisbonense europeizante.
Tem amigos e inimigos, como convém a qualquer pessoa parecida com um ser humano. Entre as obsessões de estimação, contam-se a luta infindável contra o esquecimento, esse branqueamento de capital humano que despovoa e erradica a memória, o mais unitário de todos os elos.
Por isso, espera continuar a manter esta “luz de presença”. Par que se saiba quanto mundo existe para lá da “realidade” que todo os dias nos dão a comer numa bandeja.
sábado, outubro 22, 2005
como uma linha recta que desce do horizonte à hora certa

José Manuel Rodrigues, Água de Prata, 2001
Vejo-te sempre desse lado da ponte e eu aqui, na outra ponta, a acenar-te antes de a atravessar até ti. Caminho com passo seguro porque sei que me vês, e quero que me vejas assim, firme e invencível, a caminhar até ti.
Peço-te que não dês um passo sequer, que não abrevies esta demora que é só nossa. Chegarei antes que seja tarde demais. Só nos sonhos é nos perdíamos um ao outro.
Aqui, no extremo da ponta, exerço-me no extremo de mim, da angústia que mascaro, sorrindo para ti. Olho-te como uma actriz no écran, e percebo aquilo que os outros vêem em mim, uma fonte infindável de vida. Aqui, a poucos passos de ti, com o abismo por baixo dos nossos pés, tremo de pavor como uma qualquer pequena mulher sem particular educação no mascarar dos sentimentos.
Tremo assim, mas nada disto tu vês. Não quero que vejas. Quero que me sintas exacta, como uma linha recta que desce no horizonte à hora certa.
Maria Armandina Maia, Outubro 2005
domingo, outubro 09, 2005
esperando o mesmo deus de asas de oiro, que os pensantes e sábios dizem finalmente ter chegado
sexta-feira, setembro 30, 2005
atalhos para a recomposição da vida
Solta o riso para vencer o cerco e o medo, por isso o inscreve como uma senha, para contar os sonhos que afagam a cabeça de todos os homens, por mais imperfeitos ou cruéis.
Detém-se nas coisas pequenas e insignificantes: passos de meninos no corredor, conversas abafadas na mesa ao lado, um pássaro morto que o magoa. Ao lado, corre nos shoppings a burguesia endinheirada e sôfrega, que só não lhe atravanca o passo, porque ele conhece bem os atalhos que levam às clareiras virgens das florestas.
mar, um traço repetido sobre a pele

Respiro o sol da mesma maneira que olho as cadeiras à volta do mar, com um resto de luz na fundura dos olhos, um traço repetido sobre a pele. Se não fosse o corpo escondido quando as aves passam, podia experimentar a praia com as palavras. Mas é tempo para que o corpo se divida e se multipliquem as células, até se tornarem invisíveis nos objectos de mármore, nos bibelôs dos dias.
António Ferra, A estação suspensa (inédito)
passos e paços de família

Nenhuma palavra se soltava entre eles, aparentemente a olhar descuidados o arvoredo que crescia, enquanto se deixavam tomar pelo ar pacífico que os rodeava, como se um halo eterno pairasse sobre as suas cabeças.
A menina ajuizada que passeava com o pai naquele deleite, ficou-lhe para sempre na retina, como um quadro pintado por um pintor romântico. Sem cores nem flores, voltava sempre a imagem dos dois, a caminhar devagar como se a eternidade fosse deles.
Bastava-lhe, numa embrulhada de recordações, aquele par de mãos dadas que se recolhia a casa depois do pôr do sol, como se lhes tivesse chegado uma meia hora para serem pai e filha. Sem palavras, sem ornamentos, sem promessas, quase sem nada.
Nelson Saúte, New Orleans revisitada ou a(s) geminações inevitáveis

New Orleans
Amo-te no sobressalto da América
com o trompete de um blues irredimido
mãos enxutas destes versos sem luto
para cantar uma saga negra dos mapas
na solidão de New Orleans.
Agora oiço o wonderfull world
do impenitente Louis Armstrong
na minha irresgatável África.
Amo-te ao som de uma noite rasgada
na mágoa de uma dor incessante
com estas inofensivas mãos florindo
impúberes pelo teu corpo.
Amanheço no caudal do rio que invade
a cidade minha casa também esvoaçada.
A casa de madeira e zinco da minha infância
de onde me chegavam a América
as vozes do blues na Munhuana
na algazarra dos xiguevengos.
Este foi o meu destino irrecuperável
nas ruas sem nome desta urbana incongruência
e xitala-mati não é um velho filme sem legendas
exibido nas matinés do cinema Império
nas sessões para adultos
que eu tinha acesso apenas da avenida de Angola
mas o roteiro iniciático dos meus dilúvios.
Mais tarde o Noel Langa tentou salvar-nos
a memória e albergou os boémios aos gritos
nomeando mulheres e amores contrariados
na espuma de cerveja clareando as noites de sábado
e os músicos suburbanizando os convivas da Polana.
Agora que tenho no bornal alguns mortos
quase todos enterrados no Lhanguene
e um irmão sul-africanizado pelo destino
insepulto entre as montanhas em Malelane
dou-me conta de que foi há muito
que aquelas águas devastaram a minha infância.
Amo-te no sobressalto da América
no chão úbere do meu atafulhado bairro
olho as varandas onde drapejam
nossos íntimos trapos e imagino viagem.
Tantas cidades Joanesburgo aqui perto.
A minha primeira América na voz de tenor do Mike
um negro fabuloso certamente desterrado de New Orleans
arrebatando-nos. Acena-me entretanto
o incontornável Miles Davis
numa manhã na Greenwich Village com Nova Iorque
já sem as malogradas Twin Towers.
Amo-te no sobressalto da América
ainda oiço as notas soltas dos velhos e roucos
cantores vagabundos. Memphis Sleem andou por cá.
Esta noite quero ouvi-lo a sós contigo.
Agora vôo no Big Bird de Ahmad Jamal
quase a deixar-me esmagar nas teclas deste piano
com a dor daqueles que em New Orleans tudo perderam
ou na voz de Abbey Lincoln Down Here Below.
Ou Say don´t remember.
Os meus compatriotas nas cheias de 2000
permanecem hasteados no seu abandono
ou a esquecida Rosita nascendo na árvore
agora pendurada na minha parede
já só é apenas uma aguarela de Gemuce
na nossa moçambicana e reiteirada amnésia.
Amo-te no sobressalto da América
e penso-te estes dias em Manhattan
no alto acenar dos arranha-ceús
da cidade nos filmes da minha adolescência.
Imagino-te na Quinta Avenida ouvindo
Tom Jobim. Nesta baixa de Maputo longe
do Mississipi e da desprotegida memória
a Rua Araújo sem diques cede espaço a Bagamoio
uma rua alagada de fantasmas dos blues
nossa marrabenta da América
nas sepultadas noites com putas e marinheiros
dançando o infestivo solo do guitarrista Daíco
ele próprio quase afogado no infortúnio
apenas salvo nos largos versos de um vate casmurro
a lembrar-nos que a pátria
tem que convocar estes poetas para seus heróis.
Nelson Saúte
Set. 2005
sábado, setembro 24, 2005
manuel rui, roubar sons a um furacão com o meu saxofone arroba ponto com

NEW ORLEANS MEU AMOR
O que eu não choro
são as lágrimas que deixei cair na água
meu amor. Meu amor. Só tinha duas mãos uma no teu pulso
outra no trompete e tudo. Tudo e tu meu amor e o trompete
se escaparam das minhas mãos como um solo de guitarra
vê. Só tinha duas mãos. Sonha os meus dedos
meu amor as cicatrizes de África as minhas duas mãos
tão poucas no eco de uma bateria submersa com os pratos
a boiar na água dos soluços de uma orquestra roubada.
O que eu não choro são as lágrimas
de uma cidade abaixo do nível desencalhado
aqui. Por medalhas olímpicas nas minhas pernas
em memória de Hitler nem me sobram caixões nem bandeiras
importadas do Iraque. E agora silêncio. Silêncio na afinação do piano
assim. Silêncio para os blues na água em todos os acordes
de uma cidade de onde não saí por causa do crime de roubar
com o meu saxofone sons à pauta de um furacão. Tomem nota:
roubar sons a um furacão com o meu saxofone arroba ponto com.
O que eu não choro são as lágrimas. As minhas lágrimas
acima do nível da morte com os meus tambores
a beliscar o ódio abaixo do nível do amor
mesmo quando assalto ourivesarias do ouro escravo
que me foi garimpado e pintado de branco
é também saudade de antes do dilúvio
das velharias da história dos furacões aqui. Em New Orleans
em New Orleans. E por favor silêncio. Silêncio e oiçam bem
os sons e os tons das minhas lágrimas que eu não choro
e deixei debaixo da água do rio e do mar
com o meu sax bem erecto a iluminar o céu
e o luar por cima de uma carpete toda negra
mais o meu trompete a rir
e o meu sax
cansados de chorar.
manuel rui
3/Set/2005
quarta-feira, setembro 21, 2005
o outro menino dos meus olhos

sexta-feira, setembro 16, 2005
(f)ilha, eternamente

Sempre a vi como uma ave, mais exactamente um ser voador, borboleta, libelinha, pirilampo ou vaga-lume. Por isso lhe sigo o voo e a coragem, sempre à procura de encontrar o paraíso. Pratica a vida on-line o off-line em qualquer lugar e latitude. Sobra-lhe talento, mas distrai-se pelo caminho das conchas, na beira do mar. Por isso os seus dias são curtos, e as noites avançam até às madrugadas intermináveis. (f)ilha, eternamente
16 de setembro de 2005
domingo, setembro 11, 2005
Viver sob o sol é a nossa condição irreversível
Um trabalho de ourivesaria em que o autor, NZE di Sant'y Águ, se (re)propõe o lugar de origem, salvando do esquecimento um tempo íntimo e universal de um Cabo verde que "não vem" nos mapas traçados pelo imaginário comum.
Ao ler a Assomada Nocturna, pensei que, às vezes, os especialistas de uma literatura, mais parecem terra-tenentes, como se tudo à volta lhes pertencesse.
A Assomada tem, entre outras importantes qualidades, a de nos mostrar quanto Cabo Verde ainda não sabemos.
http://aulil.blogspot.com/2005/08/joo-vrio.html
da fulguração, ainda
Mais tarde ou mais cedo, entre os deslumbramentos da minha vida, ou as fulgurações, "achei" Cabo Verde. E nunca mais de lá saí, porque me encontro com eles a cada passo. o seu caminho é árduo e áspero, combinações que eu bem conheço embora os meus trilhos fossem (também)outros.
Falando da luz, (que na fulguração de luz se fala), começo por uma das pontas. Uma qualquer, sem respeitar a ordem alfabética. Pela ordem natural das coisas, toda a luz há-de levar à luz. Muitos nomes aqui hão-de sentar-se. Mas hoje, nesta casa da poesia, assalta-me a voz de José Luís Tavares, poeta com asas já em pleno voo.
http://aulil.blogspot.com/2005/08/ta-muda-tenpu.html
sábado, setembro 03, 2005
Os anjos de José Rodrigues - (um)a fulguração de humana deidade
Carlos de Oliveira - quando as palavras levitam
terça-feira, agosto 30, 2005
lavorare stanca - as (puras) palavras ditas
dalle imposte, fissando la strada. Si vedono i ciottoli
per la chiara fessura, nel sole. Nessuno cammina
per la strada. Il ragazzo vorrebbe uscir fuori
cosí nudo - la strada è di tutti - e affogare nel sole.
Cesare Pavese, 1936-1943
O rapaz respira mais fresco, oculto
pelas portadas, enquanto olha para a rua. Pela fresta clara
vê-se o empedrado ao sol. Não anda ninguém
na rua. O rapaz gostaria de sair
assim nu - a rua é de todos - e afogar-se no sol (Trabalhar Cansa, tradução de Carlos Leite)
domingo, agosto 28, 2005
(in)comunidade, a imperdível arte da vida
http://incomunidade.blogspot.com/
o lugar de origem

As duas palavras, lugar e origem, apareceram-lhe na frente, como um caminho, como um guia, como a ponte onde estava. Desequilibrada, parou de repente. Consciente de que não voltaria a ter uma segunda oportunidade.
Achava que ia lembrar-se sempre daquelas duas palavras, mas também achava que já tinha perdido dezenas delas. Centenas de pontas por onde começar, que nunca mais se lembrava ou que escrevia numa agenda mental que falhava sempre quando a procurava.
Escreveu nas costas do talão multibanco as duas palavras.
Começou a compô-las como se fossem música: lugar de origem, o lugar de origem?
sábado, agosto 27, 2005
Fernando Lemos, a vida caligrafada
(...) Filho de marceneiro-antiquário e mãe rendeira, passei a infância no mundo das mãos operativas e móveis raros que entravam e saiam de casa para outras mãos.
O tempo das coisas não tinha longa permanência no cotidiano, mas era de boa qualidade.
Fui operário serralheiro, desenhista e impressor em litografia industrial. No fim da tarde, quando cal o sol, dobram os sinos e recolhem o gado nos campos, como até hoje, descobri o momento adequado para a poesia e pensamento.
(...) Nos anos 40, entro maravilhado nas exposições surrealistas e faço-me mais um gregário com a total liberdade exposta.
Em 52, com Fernando de Azevedo e Vespeira abrimos uma exposição provocadora numa fina loja de móveis e decorações no Chiado, que foi caso de polícia e manifesto do comércio local para a proibição da mostra. Já havia comprado a Flexaret simplória ao alcance do meu primitivismo fotográfico, que me levou atrás de uma imagem que me faltava para a descoberta de um rosto possível do país imerso em tradições retóricas.
A curiosidade de conhecer o Brasil meteu-me num navio sem saber se por lá iria ficar, mas certo que não teria retorno. Em São Paulo e Rio de Janeiro, logo tive oportunidades de mostrar as cópias trazidas na mala de emigrante e pré-exilado. E logo juntei os meus sonhos e vinganças políticas contra Salazar aos exilados portugueses e espanhóis. A proibição do retorno aliviou-me o primeiro remorso pelo abandono radical. Esperei chegarem os cravos, quando os portugueses puderam voltar a ser donos do seu nariz.
Participei de bienais, co1oquei a carta de Pero de Vaz Caminha na exposição do IV Centenário de São Paulo e aproveitei para ver ali ao lado a Guernica.
Exposições no exterior
Recebi da Fundação Calouste Gulbenkian uma bolsa para o Japão, visitei estúdios de calígrafos, fiz projetos de vitral para Hakkone. Dei a volta ao mundo e regressei a São Paulo.
Fui auxiliar de ensino na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Em 79, volto a Nagasaki como consultor para a criação de um museu Nanbam oferecido ao governo português.
É-me concedido o Prêmio Melhor Desenhista na IV Bienal de São Paulo, e sala especial de pintura na VIII.
Criei, com outros sonhadores, a Editora Giroflé, para livros infantis, que não resistiu aos entusiasmos de outras editoras e faliu.
Começa o meu resgate de espaço no circuito das artes liboetas e recebo o Prêmio Anual de Fotografia 2001 do Centro Português de Fotografia.
A exposição da Fundação Gulbenkian em 94 viaja continuamente por Madrid, Paris, Toulouse, Aixen-Provence, Hamburgo e Frankfurt.
A minha vida prossegue no Brasil como artista plástico.
Por 20 anos fui funcionário público.
Pioneiro do desenho industrial e presidente quando imaginamos que o design tinha, científica de levar o produto ao homem, e não induzi-lo ao consumo alienado. Passei pelo Eletropaulo, Acervo Artístico do Palácio do Governo de São Paulo, Memorial da América Latina.
Como quem é alfabetizado em língua portuguesa vira poeta, editei Teclado Universal e Ca & Lá, na Casa da Moeda.
Esquecido algumas vezes e excluído outra: acontece a toda gente boa, e má, conheço os nomes de quem me esqueceu e espero não esquecer quem me lembra.
Sinto que o meu futuro chegou há muito e que gastei uma parte dele. Vivo o presente para que ele me seja passado no novo futuro. Continuo a fazer o que sei e inventar o que me é desconhecido.
Tenho cinco filhos, três netos, duas sogras E sobrinhos, todos orgulhosos com o engrandecimento nacional. via São Paulo.
Estou feliz e grato pela preferência, como está no cartão dos modestos prestadores de serviços ao domicílio. E no coração dos poetas.
Fernando Lemos
São Paulo, 2004
segunda-feira, agosto 15, 2005
domingo, agosto 14, 2005
viver é um país estrangeiro
Eugénio Lisboa "Um estrangeiro na terra" excerto de uma ficção (a propósito de Pessoa)
da outra margem
Maria Armandina Maia, Da outra margem, antologia de poesia de autores portugueses
mais pura e dura que qualquer diamante
O povo corre atrás do rei e dos pensantes, esquecendo os filhos em casa, o futuro sem porta que todos sabem ser a única luz ao fundo do túnel. Corre o povo, deslumbrado, atrás da coroa real, que lhe promete o paraíso em troca da sua servidão, que ostenta ao peito, entre broches e pedrarias, entre os quais se distingue pela sua intrínseca e humana natureza, mais dura e pura que qualquer diamante.
Maria Armandina Maia, O testamento dos vivos (inédito)
sábado, agosto 13, 2005
a eterna idade
Um espaço encenado durante mais de meio século numa obra comum e mortal, como qualquer outra. Provisória e eterna, a mesma vida. De sempre.