Biografia I
Ter nascido em maio de 1926 não passou de mera coincidência no calendário, com a data natalina da ditadura portuguesa. Nem motivo para superstições.
(...) Filho de marceneiro-antiquário e mãe rendeira, passei a infância no mundo das mãos operativas e móveis raros que entravam e saiam de casa para outras mãos.
O tempo das coisas não tinha longa permanência no cotidiano, mas era de boa qualidade.
Fui operário serralheiro, desenhista e impressor em litografia industrial. No fim da tarde, quando cal o sol, dobram os sinos e recolhem o gado nos campos, como até hoje, descobri o momento adequado para a poesia e pensamento.
(...) Nos anos 40, entro maravilhado nas exposições surrealistas e faço-me mais um gregário com a total liberdade exposta.
Em 52, com Fernando de Azevedo e Vespeira abrimos uma exposição provocadora numa fina loja de móveis e decorações no Chiado, que foi caso de polícia e manifesto do comércio local para a proibição da mostra. Já havia comprado a Flexaret simplória ao alcance do meu primitivismo fotográfico, que me levou atrás de uma imagem que me faltava para a descoberta de um rosto possível do país imerso em tradições retóricas.
A curiosidade de conhecer o Brasil meteu-me num navio sem saber se por lá iria ficar, mas certo que não teria retorno. Em São Paulo e Rio de Janeiro, logo tive oportunidades de mostrar as cópias trazidas na mala de emigrante e pré-exilado. E logo juntei os meus sonhos e vinganças políticas contra Salazar aos exilados portugueses e espanhóis. A proibição do retorno aliviou-me o primeiro remorso pelo abandono radical. Esperei chegarem os cravos, quando os portugueses puderam voltar a ser donos do seu nariz.
Participei de bienais, co1oquei a carta de Pero de Vaz Caminha na exposição do IV Centenário de São Paulo e aproveitei para ver ali ao lado a Guernica.
Exposições no exterior
Recebi da Fundação Calouste Gulbenkian uma bolsa para o Japão, visitei estúdios de calígrafos, fiz projetos de vitral para Hakkone. Dei a volta ao mundo e regressei a São Paulo.
Fui auxiliar de ensino na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Em 79, volto a Nagasaki como consultor para a criação de um museu Nanbam oferecido ao governo português.
É-me concedido o Prêmio Melhor Desenhista na IV Bienal de São Paulo, e sala especial de pintura na VIII.
Criei, com outros sonhadores, a Editora Giroflé, para livros infantis, que não resistiu aos entusiasmos de outras editoras e faliu.
Começa o meu resgate de espaço no circuito das artes liboetas e recebo o Prêmio Anual de Fotografia 2001 do Centro Português de Fotografia.
A exposição da Fundação Gulbenkian em 94 viaja continuamente por Madrid, Paris, Toulouse, Aixen-Provence, Hamburgo e Frankfurt.
A minha vida prossegue no Brasil como artista plástico.
Por 20 anos fui funcionário público.
Pioneiro do desenho industrial e presidente quando imaginamos que o design tinha, científica de levar o produto ao homem, e não induzi-lo ao consumo alienado. Passei pelo Eletropaulo, Acervo Artístico do Palácio do Governo de São Paulo, Memorial da América Latina.
Como quem é alfabetizado em língua portuguesa vira poeta, editei Teclado Universal e Ca & Lá, na Casa da Moeda.
Esquecido algumas vezes e excluído outra: acontece a toda gente boa, e má, conheço os nomes de quem me esqueceu e espero não esquecer quem me lembra.
Sinto que o meu futuro chegou há muito e que gastei uma parte dele. Vivo o presente para que ele me seja passado no novo futuro. Continuo a fazer o que sei e inventar o que me é desconhecido.
Tenho cinco filhos, três netos, duas sogras E sobrinhos, todos orgulhosos com o engrandecimento nacional. via São Paulo.
Estou feliz e grato pela preferência, como está no cartão dos modestos prestadores de serviços ao domicílio. E no coração dos poetas.
Fernando Lemos
São Paulo, 2004
(...) Filho de marceneiro-antiquário e mãe rendeira, passei a infância no mundo das mãos operativas e móveis raros que entravam e saiam de casa para outras mãos.
O tempo das coisas não tinha longa permanência no cotidiano, mas era de boa qualidade.
Fui operário serralheiro, desenhista e impressor em litografia industrial. No fim da tarde, quando cal o sol, dobram os sinos e recolhem o gado nos campos, como até hoje, descobri o momento adequado para a poesia e pensamento.
(...) Nos anos 40, entro maravilhado nas exposições surrealistas e faço-me mais um gregário com a total liberdade exposta.
Em 52, com Fernando de Azevedo e Vespeira abrimos uma exposição provocadora numa fina loja de móveis e decorações no Chiado, que foi caso de polícia e manifesto do comércio local para a proibição da mostra. Já havia comprado a Flexaret simplória ao alcance do meu primitivismo fotográfico, que me levou atrás de uma imagem que me faltava para a descoberta de um rosto possível do país imerso em tradições retóricas.
A curiosidade de conhecer o Brasil meteu-me num navio sem saber se por lá iria ficar, mas certo que não teria retorno. Em São Paulo e Rio de Janeiro, logo tive oportunidades de mostrar as cópias trazidas na mala de emigrante e pré-exilado. E logo juntei os meus sonhos e vinganças políticas contra Salazar aos exilados portugueses e espanhóis. A proibição do retorno aliviou-me o primeiro remorso pelo abandono radical. Esperei chegarem os cravos, quando os portugueses puderam voltar a ser donos do seu nariz.
Participei de bienais, co1oquei a carta de Pero de Vaz Caminha na exposição do IV Centenário de São Paulo e aproveitei para ver ali ao lado a Guernica.
Exposições no exterior
Recebi da Fundação Calouste Gulbenkian uma bolsa para o Japão, visitei estúdios de calígrafos, fiz projetos de vitral para Hakkone. Dei a volta ao mundo e regressei a São Paulo.
Fui auxiliar de ensino na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Em 79, volto a Nagasaki como consultor para a criação de um museu Nanbam oferecido ao governo português.
É-me concedido o Prêmio Melhor Desenhista na IV Bienal de São Paulo, e sala especial de pintura na VIII.
Criei, com outros sonhadores, a Editora Giroflé, para livros infantis, que não resistiu aos entusiasmos de outras editoras e faliu.
Começa o meu resgate de espaço no circuito das artes liboetas e recebo o Prêmio Anual de Fotografia 2001 do Centro Português de Fotografia.
A exposição da Fundação Gulbenkian em 94 viaja continuamente por Madrid, Paris, Toulouse, Aixen-Provence, Hamburgo e Frankfurt.
A minha vida prossegue no Brasil como artista plástico.
Por 20 anos fui funcionário público.
Pioneiro do desenho industrial e presidente quando imaginamos que o design tinha, científica de levar o produto ao homem, e não induzi-lo ao consumo alienado. Passei pelo Eletropaulo, Acervo Artístico do Palácio do Governo de São Paulo, Memorial da América Latina.
Como quem é alfabetizado em língua portuguesa vira poeta, editei Teclado Universal e Ca & Lá, na Casa da Moeda.
Esquecido algumas vezes e excluído outra: acontece a toda gente boa, e má, conheço os nomes de quem me esqueceu e espero não esquecer quem me lembra.
Sinto que o meu futuro chegou há muito e que gastei uma parte dele. Vivo o presente para que ele me seja passado no novo futuro. Continuo a fazer o que sei e inventar o que me é desconhecido.
Tenho cinco filhos, três netos, duas sogras E sobrinhos, todos orgulhosos com o engrandecimento nacional. via São Paulo.
Estou feliz e grato pela preferência, como está no cartão dos modestos prestadores de serviços ao domicílio. E no coração dos poetas.
Fernando Lemos
São Paulo, 2004
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