domingo, setembro 17, 2006

a imagem na retina

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A imagem na retina
para a minha filha Patrícia

Às vezes, quando a olhava, assim, impiamente pura, tinha medo que nunca mais crescesse ou não se soubesse soltar da fantasia. Mas tudo parecia brotar à sua volta como se ela falasse com as flores e estas crescessem, milagrosamente.
As noites eternas em que a esperava sem lhe conhecer o rasto, com o ouvido à escuta, à espera do desligar do motor do carro, da vespa, da chave na fechadura, dos passinhos em bicos de pés para não a acordar, foram-se afastando de si.
Outros espaços, próprios, a albergavam, sem drama nem lágrimas, mas com uma brutal sensação de algo de irreversível. Como o cordão, mais uma vez.
Mas, sabendo, como sabia, que estes são os caminhos da vida, nada mais fazia do que segui-la com o olhar, de longe, cada vez mais longe, até ela ficar tão pequenina que lhe cabia na retina, onde sempre a acompanhava, onde quer que fosse.
Deu consigo, muitas vezes, a contar coisas desconhecidas a gente desconhecida, desta filha que, muito provavelmente, lhe dava colo, mesmo no meio das lágrimas e discussões, mesmo quando tudo parecia sem retorno no horizonte.

As partidas deixavam-nas devastadas, como se um vulcão tivesse varrido para sempre os mimos, os bilhetes sem fim, as surpresas, as esperas, as insónias, os dias e noites em que maldisse a sua vida, com aquela filha da aventura e do desassossego, que lia sem parar e sem norte, chorava um mar de lágrimas brandas pelos amigos que deixava para trás e desafiava a vida com um prazer renovado, que parecia perpétuo.
Sabia já muito menos do seu rumo: contentava-se com o tempo de mãe de filha adulta. Sentia-lhe a falta, mas não queria ofender a sua nova integridade. Sabia que o seu tempo tinha passado. Como também sabia que a esperaria eternamente, mesmo eternamente.
O seu coração mantinha intacto o fio do primeiro dia. Por isso, guardava tudo o que lhe pertencia e acariciava-a na alma, por dentro, onde ninguém via. Continuava a conhecer-lhe a voz e a adivinhar-lhe a tristeza. E sonhava com felicidade dela como um bilhete de lotaria.
Por isso a esperava eternamente, para voltar a abraçá-la e se fazer perdoar pelo tempo que sobrevivera longe dela e do seu colo quente de filha.
Para sempre.

armandina maia, um modo de dizer "parabéns", a 16-09-2006.