terça-feira, agosto 30, 2005

lavorare stanca - as (puras) palavras ditas

Il ragazzo respira piú fresco, nascosto
dalle imposte, fissando la strada. Si vedono i ciottoli
per la chiara fessura, nel sole. Nessuno cammina
per la strada. Il ragazzo vorrebbe uscir fuori
cosí nudo - la strada è di tutti - e affogare nel sole.
Cesare Pavese, 1936-1943

O rapaz respira mais fresco, oculto
pelas portadas, enquanto olha para a rua. Pela fresta clara
vê-se o empedrado ao sol. Não anda ninguém
na rua. O rapaz gostaria de sair
assim nu - a rua é de todos - e afogar-se no sol (Trabalhar Cansa, tradução de Carlos Leite)

domingo, agosto 28, 2005

(in)comunidade, a imperdível arte da vida

Começo a ter de escolher os meus tesouros, para determinar-lhes a ordem de grandeza, fiéis e generosos à luz de presença que a todos abriga.

http://incomunidade.blogspot.com/

o lugar de origem


As duas palavras, lugar e origem, apareceram-lhe na frente, como um caminho, como um guia, como a ponte onde estava. Desequilibrada, parou de repente. Consciente de que não voltaria a ter uma segunda oportunidade.
Achava que ia lembrar-se sempre daquelas duas palavras, mas também achava que já tinha perdido dezenas delas. Centenas de pontas por onde começar, que nunca mais se lembrava ou que escrevia numa agenda mental que falhava sempre quando a procurava.
Escreveu nas costas do talão multibanco as duas palavras.
Começou a compô-las como se fossem música: lugar de origem, o lugar de origem?

"Ser moderno é lembrar o que está esquecido" Almada Negreiros

sábado, agosto 27, 2005

Fernando Lemos, a vida caligrafada

Biografia I
Ter nascido em maio de 1926 não passou de mera coincidência no calendário, com a data natalina da ditadura portuguesa. Nem motivo para superstições.
(...) Filho de marceneiro-antiquário e mãe rendeira, passei a infância no mundo das mãos operativas e móveis raros que entravam e saiam de casa para outras mãos.
O tempo das coisas não tinha longa permanência no cotidiano, mas era de boa qualidade.
Fui operário serralheiro, desenhista e impressor em litografia industrial. No fim da tarde, quando cal o sol, dobram os sinos e recolhem o gado nos campos, como até hoje, descobri o momento adequado para a poesia e pensamento.
(...) Nos anos 40, entro maravilhado nas exposições surrealistas e faço-me mais um gregário com a total liberdade exposta.
Em 52, com Fernando de Azevedo e Vespeira abrimos uma exposição provocadora numa fina loja de móveis e decorações no Chiado, que foi caso de polícia e manifesto do comércio local para a proibição da mostra. Já havia comprado a Flexaret simplória ao alcance do meu primitivismo fotográfico, que me levou atrás de uma imagem que me faltava para a descoberta de um rosto possível do país imerso em tradições retóricas.
A curiosidade de conhecer o Brasil meteu-me num navio sem saber se por lá iria ficar, mas certo que não teria retorno. Em São Paulo e Rio de Janeiro, logo tive oportunidades de mostrar as cópias trazidas na mala de emigrante e pré-exilado. E logo juntei os meus sonhos e vinganças políticas contra Salazar aos exilados portugueses e espanhóis. A proibição do retorno aliviou-me o primeiro remorso pelo abandono radical. Esperei chegarem os cravos, quando os portugueses puderam voltar a ser donos do seu nariz.
Participei de bienais, co1oquei a carta de Pero de Vaz Caminha na exposição do IV Centenário de São Paulo e aproveitei para ver ali ao lado a Guernica.

Exposições no exterior
Recebi da Fundação Calouste Gulbenkian uma bolsa para o Japão, visitei estúdios de calígrafos, fiz projetos de vitral para Hakkone. Dei a volta ao mundo e regressei a São Paulo.
Fui auxiliar de ensino na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Em 79, volto a Nagasaki como consultor para a criação de um museu Nanbam oferecido ao governo português.
É-me concedido o Prêmio Melhor Desenhista na IV Bienal de São Paulo, e sala especial de pintura na VIII.
Criei, com outros sonhadores, a Editora Giroflé, para livros infantis, que não resistiu aos entusiasmos de outras editoras e faliu.
Começa o meu resgate de espaço no circuito das artes liboetas e recebo o Prêmio Anual de Fotografia 2001 do Centro Português de Fotografia.
A exposição da Fundação Gulbenkian em 94 viaja continuamente por Madrid, Paris, Toulouse, Aix­en-Provence, Hamburgo e Frankfurt.
A minha vida prossegue no Brasil como artista plástico.
Por 20 anos fui funcionário público.
Pioneiro do desenho industrial e presidente quando imaginamos que o design tinha, científica de levar o produto ao homem, e não induzi-lo ao consumo alienado. Passei pelo Eletropaulo, Acervo Artístico do Palácio do Governo de São Paulo, Memorial da América Latina.
Como quem é alfabetizado em língua portuguesa vira poeta, editei Teclado Universal e Ca & Lá, na Casa da Moeda.
Esquecido algumas vezes e excluído outra: acontece a toda gente boa, e má, conheço os nomes de quem me esqueceu e espero não esquecer quem me lembra.
Sinto que o meu futuro chegou há muito e que gastei uma parte dele. Vivo o presente para que ele me seja passado no novo futuro. Continuo a fazer o que sei e inventar o que me é desconhecido.
Tenho cinco filhos, três netos, duas sogras E sobrinhos, todos orgulhosos com o engrandecimento nacional. via São Paulo.
Estou feliz e grato pela preferência, como está no cartão dos modestos prestadores de serviços ao domicílio. E no coração dos poetas.

Fernando Lemos
São Paulo, 2004

segunda-feira, agosto 15, 2005

faz agora um ano....

Cena animal, armadilha
Fernando Lemos, À sombra da luz À luz da sombra, Pinacoteca de São Paulo
Agosto 2004

domingo, agosto 14, 2005

viver é um país estrangeiro

«Morrer é um país estrangeiro.» É uma parte, mas não é ainda tudo. There it is: «Viver é um país estrangeiro.» Acho que sim, que era disto que andava à procura. Sinto-me agora preparado: «Morrer é um país estrangeiro. Viver é um país estrangeiro.» Vou acabar, sinto, tudo mo diz. Isto é: vou mudar-me de um país estrangeiro para outro país estrangeiro. Estrangeiro na terra, sê-lo-ei também no além que houver. E, se nada houver, nada serei: forma suprema, talvez, de ser estrangeiro»

Eugénio Lisboa "Um estrangeiro na terra" excerto de uma ficção (a propósito de Pessoa)

da outra margem

Não há segundas pátrias, por muito que a ideia nos afague o vazio da opção por tomar. Há só lugares, de eleição, onde depositamos os nossos livros, as nossas árvores, os nossos mortos. Ou tão só lugares onde viajamos incessantemente, para escrever os nossos versos, o maior testamento que deixamos ao nosso lugar de pertença.

Maria Armandina Maia, Da outra margem, antologia de poesia de autores portugueses

mais pura e dura que qualquer diamante

Bem podera estew precioso pano por a coroa a taõ magnifico apparato; porem a rara generosidade, que administrou tanta riqueza , ainda admittio outro, a quem o ouro, prata e retroz deu materia, e em quem a arte formou com suas agulhas alguns instrumentos de guerra, grades de ouro e varias curiosidades, servindo de assombro hum bem feito globo de lindo azul, sobre o qual o nosso sempre Aug. Mon. teve os pés todo o tempo que esteve na cadeira [...]
Gazeta de Lisboa, 17 de Setembro de 1750

O povo corre atrás do rei e dos pensantes, esquecendo os filhos em casa, o futuro sem porta que todos sabem ser a única luz ao fundo do túnel. Corre o povo, deslumbrado, atrás da coroa real, que lhe promete o paraíso em troca da sua servidão, que ostenta ao peito, entre broches e pedrarias, entre os quais se distingue pela sua intrínseca e humana natureza, mais dura e pura que qualquer diamante.

Maria Armandina Maia, O testamento dos vivos (inédito)

sábado, agosto 13, 2005

a eterna idade

(...) curtas narrativas que se seguem falam do que vivi e do que vi viver, do que me contaram e do que inventei, do que sempre me adiou o espaço da vida.
Um espaço encenado durante mais de meio século numa obra comum e mortal, como qualquer outra. Provisória e eterna, a mesma vida. De sempre.