sábado, setembro 24, 2005

manuel rui, roubar sons a um furacão com o meu saxofone arroba ponto com













NEW ORLEANS MEU AMOR
O que eu não choro
são as lágrimas que deixei cair na água
meu amor. Meu amor. Só tinha duas mãos uma no teu pulso
outra no trompete e tudo. Tudo e tu meu amor e o trompete
se escaparam das minhas mãos como um solo de guitarra
vê. Só tinha duas mãos. Sonha os meus dedos
meu amor as cicatrizes de África as minhas duas mãos
tão poucas no eco de uma bateria submersa com os pratos
a boiar na água dos soluços de uma orquestra roubada.

O que eu não choro são as lágrimas
de uma cidade abaixo do nível desencalhado
aqui. Por medalhas olímpicas nas minhas pernas
em memória de Hitler nem me sobram caixões nem bandeiras
importadas do Iraque. E agora silêncio. Silêncio na afinação do piano
assim. Silêncio para os blues na água em todos os acordes
de uma cidade de onde não saí por causa do crime de roubar
com o meu saxofone sons à pauta de um furacão. Tomem nota:
roubar sons a um furacão com o meu saxofone arroba ponto com.

O que eu não choro são as lágrimas. As minhas lágrimas
acima do nível da morte com os meus tambores
a beliscar o ódio abaixo do nível do amor
mesmo quando assalto ourivesarias do ouro escravo
que me foi garimpado e pintado de branco
é também saudade de antes do dilúvio
das velharias da história dos furacões aqui. Em New Orleans
em New Orleans. E por favor silêncio. Silêncio e oiçam bem
os sons e os tons das minhas lágrimas que eu não choro
e deixei debaixo da água do rio e do mar
com o meu sax bem erecto a iluminar o céu
e o luar por cima de uma carpete toda negra
mais o meu trompete a rir
e o meu sax
cansados de chorar.
manuel rui
3/Set/2005

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