sábado, janeiro 20, 2007

Fiama, para sempre

William Turner, redheads landing



À Fiama, pela capacidade de nos emudecer com a pureza e fundura que sempre procurou para as palavras.


Do Raio de Sol

Raio de Sol na ombreira da porta,
na trave da cadeira, vindo da gelosia,
peço-te para amanhã voltares
mais arqueado pela esfericidade da Terra,
um raio não decididamente recto
cravado no meu tórax côncavo,
mas no meu coração curvo como um globo

Fiama Hasse Pais Brandão, As fábulas

sexta-feira, janeiro 19, 2007

...e o mar abriu-se outra vez

Photobucket - Video and Image Hosting


Nem o mar parou
nem os cães deixaram de nos amar
nem os corações de bater
é só preciso que a alma
se baste
com o sal, o sol e o calor
do sul

Até sempre!

armandina maia

quinta-feira, janeiro 18, 2007

contagem [de]crescente 8

imagem de antónio ferra

Amanhã chegam os dias claros, ou, pelo menos, os dias mais claros, ainda que com indizível sofrimento. Mas tudo é possível, nesta roleta russa onde nos puseram. Quem poderá dizer onde andará o sol, o tal que é para todos, amanhã de manhã? Pode ser que brilhe com a sua precisão de majestade, e tire, de uma vez, a patinha presa na neve, que não nos deixa ver o mar nem cheirar os ventos das marés.

armandina maia

quarta-feira, janeiro 17, 2007

contagem [de]crescente 7

imagem de antónio ferra

A luz chega agora por muitas vozes que nos dizem ser este o caminho, e seguimos em frente, já parcos nas palavras, porque o amor diz-se melhor em silêncio. Preparo a tua partida, a tua mão a acenar, o teu adeus de um remorso inexplicável, o de todos os filhos que, um dia, quando a própria vida lhes impõe, têm de ficar a sós com ela, para ver quão grandes são, afinal. Aprisionar o amor não é, nunca foi, uma forma de amar. Por isso, te desejo com a mesma força irremediavel de sempre, que não voltes nunca para o ventre, eterno ou materno. A diferença é pouco mais que nenhuma.
armandina maia

terça-feira, janeiro 16, 2007

contagem [de]crescente 6

imagem de antónio ferra

Do toque no fundo que senti durante anos, daquela asfixia permanente, senti-me soerguer por uma alavanca invisível que, mais uma vez, provinha do meu coração.
Talvez um dia diga da minha alma, mas, naquele tempo, ainda tinha medo de nomear as coisas não-científicas, aquelas a que os homens fogem em conversas públicas, com medo de desvendar os mais intímos e ínfimos mistérios que lhes ladeiam o ser.
Empurrada por aquela força tamanha, aprendi num golpe de asa o poder da misericórdia: real, infinita, palpável, ilimitada, que há nos diferentes, nos que esperam, nos sozinhos, nos putos, nos pais dos putos, nos velhos. Nunca os tinha visto como ali, naquele longo desfile de gente que esperava, um grupo de gente sem nada nem ninguém, a quem só a alma de cada um podia salvar.
Foi nesse dia que percebi que a tua luz andava perto e a estrela se aproximava a passos largos, mesmo quando o sol a ofuscava.

armandina maia

domingo, janeiro 14, 2007

contagem [de]crescente 5

imagem de antónio ferra

Soubémos então que os pássaros se preparavam para te salvar. O meu coração passou a seguir a estrela: mesmo quando não se via, coberta pelas densas florestas, impenetráveis, o meu coração arrancava-as do lugar, sem querer saber do quanto eram antigas. Mais antigo do que o mundo todo era o meu amor. Dos pecados haveria de me redimir depois, quando o chão voltasse ao seu lugar e o céu deixasse de me oprimir como uma cilada permanente.

armandina maia

contagem [de]crescente 4

imagem de antónio ferra

O deserto interior doía-me como uma cicatriz invisível aos olhos dos outros. Depois de secarem as lágrimas, tudo se tornou mais fácil dada a opacidade crescente em que estão envolvidas as almas que nos rodeiam. Mas eu saía a procurar-te e deixava-te recados por toda a parte: nos vidros dos carros, no cimo dos telhados, na cama que arrefecia à tua espera, nos jornais, onde também procurei o cão perdido. O cão um dia apareceu, sem ninguém explicar como nem porquê. Apareceu diante de nós, incrédulos, ergueu ligeiramente o olhar manso bovino que é o dele. E perguntou por ti e pelo mar. Foi então que, pela primeira vez, vimos a estrela sobrevoar as nossas cabeças.

armandina maia



sábado, janeiro 13, 2007

contagem [de]crescente 3

imagem de antónio ferra

Só muito mais tarde soube, pelo voo inquieto dos pássaros e pelos latidos do cão que te esperava, que o teu caminho não estava ainda encontrado, embora parecesses ter chegado quase à tona do labirinto. A minha mais perfeita medida era o aperto do coração, esvaziado de outros sentires, que agora apenas batia ao compasso do teu, como se um novo parto nos unisse outra vez e fôssemos só nós a decidir por que luta se morre ou se nasce.

armandina maia

sexta-feira, janeiro 12, 2007

contagem [de]crescente 2

imagem de antónio ferra

Pressentia-te como o chão que pisava, em toda a parte, como se, por baixo de cada um dos meus passos, tu te/me procurasses, sem saber de nenhum de nós. Esta perda foi a maior, perder o norte, não saber em que sentido estender a mão para te agarrar de uma possível queda, em busca da luz, a que eu também para ti buscava. Desde sempre, contigo, para ti e por ti, onde quer que estivesses, o meu amor havia de atravessar as grutas e os desertos, as rochas impiedosas na sua mudez, os mares que agora seguiam sem ti, sem a força dos teus braços a enterrarem-se neles, como num leito. Hás-de voltar, digo-me, hás-de voltar, digo-te, ainda às voltas nas praças, sem luz e sem norte.

armandina maia



quinta-feira, janeiro 11, 2007

contagem [de]crescente

imagem de António Ferra

Um caudal de tristeza arrastou-me para uma corrente sem fundo. Os dias sucederam-se negros e iguais, sem brecha por onde passasse qualquer pequena luz a dizer-me de ti. Só (n)0 meu coração te sabia, sem como nem onde, como um presságio de vida, um sopro que nos consente dar os passos em volta de nós e permanecermos vivos, apesar. É assim que conhecemos a verdadeira dimensão do amor, quando um lugar fica vazio e não nos podemos sentar nele, porque aquele é o lugar de nós e o meu eu desnasce sem o nós que tu me trazes. É então que viajamos pelas ruas, pelos becos, pelas igrejas, pelos abismos, à procura do encontro que nos há-de conduzir de novo à luz que nos coroava as cabeças quando éramos parte um do outro. Sabia-te à procura da saída do labirinto, a encher o peito de força e o coração de lágrimas, que os olhos, nossos, tinham secado diante da parede nua e fria que se erguia, como a formiguinha com a patinha presa na neve.

armandina maia, dia 11 de Janeiro de 2006

terça-feira, janeiro 02, 2007

mais forte do que a morte

Photobucket - Video and Image Hosting
fotografia de antónio ferra

Voz amiga, de um dos blogues que fazem permanecer neste posto, fez-me notar o lapso da data do post anterior, que era de Dezembro de 2007 e não de Dezembro de 2006 e acrescenta:

talvez a Armandina tenha percorrido o ano todo de desejo?


Não sei já bem o que é o tempo, desde que o voo das aves baixou e tudo ficou em suspenso como se nada mais pudesse acontecer. Tenho sentido este peso a puxar-me para a terra dia e noite, como quando se está de luto e nos sentimos traidores por estarmos ainda vivos.

nenhuma solidão, nenhuma mágoa, nenhum ódio é mais longe que esta espera, que foi até agora, infinita, magestosa, soberana dona da minha vida.

sem rumo, sem regra, sem deuses, tenho caminhado só porque conheço de cor todos os caminhos, mesmos os de pedras árduas onde nunca andei mas poderia ter andado, de outra tivesse sido a minha geografia.

a luz entrará novamente no lar que ainda existe, os escombros estão perfeitamente imóveis à espera desta luz para se reconstruírem sozinhos, com a matéria viva dos sonhos que gerámos nas noites intermináveis.

aos dezanove dias de janeiro começa enfim este ano, que iluminará para sempre a sombra, que se ergueu como um muro, o muro que nos separou, o sol que não vinha, a formiga que prendia a patinha na neve, e o sol que não vinha e a sombra que se erguia atrás do muro, em vez do sol, e do mar

tenho tudo aqui, na palma da mão. o teu adeus, alegre, confuso, balbuciante, o teu adeus que abaterá o muro, para que não se erga nunca mais.

eu continuarei aqui, invencível no meu amor

mais forte do que a morte

armandina maia, dia um de janeiro de dois mil e sete