quinta-feira, junho 01, 2006

Educação em Portugal: os cavalos também se abatem

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Max Pechstein, O mercado de cavalos em Moritzburg


José Afonso, Epígrafe para a arte de furtar
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Os cavalos também se abatem


1. Há tempos chamaram-nos “os suspeitos do costume”. E assim temos sido tratados. Com pouco respeito, com muita arrogância, com mensagens subliminares de absentismo e pouco trabalho.
Mas nós, os profissionais da Educação, somos estranhos “suspeitos”: queremos condições para actualizar os nossos conhecimentos, discutir estratégias, reformular materiais e abordagens, capazes de enfrentar, sem baixar a fasquia da exigência, os novos públicos chegados à Escola. Todos somos precisos para tentar construir uma Escola de sucesso (convém não esquecer o papel dos sindicatos, apáticos, alheios e ausentes numa discussão sobre a dignificação da Carreira Docente que passa, inevitavelmente, pela avaliação dos mesmos, como pela criação de condições dignas para o exercício das suas funções).

2. Para os “inquilinos” do M. E. (utilizo a expresão de Fátima Bonifácio), este, como todos os que o antecederam, professores e alunos são meros números, que têm que obedecer às metas europeias, como bem têm demonstrado os discursos oficiais.
Para que servem a introdução do inglês, o reforço da matemática, o prolongamento da escolaridade obrigatória, as tecnologias? Para falarmos “europeu” e ficarmos bem no retrato de família.

3. Nestas medidas, mais uma vez, não se vislumbra uma política de ensino que fundamente a necessidade de elevar a fasquia da informação e do conhecimento. Por ignorância e leviandade, os vários Ministros da Educação não tiveram a coragem de gizar um plano para o Ensino no nosso país. Mas, claro que, cada equipa ministerial, tem uma ideia salvadora, a que nos há-de transformar em cidadãos diligentes e produtivos.

4. Assim fez o actual ministério: passou à acção, fez uma contas por alto e descobriu que punha as escolas a produzir que nem fábricas em tempo de revolução industrial. Os tais “supeitos” dos professores passaram de oito a oitenta (os exageros eram realmente muitos), com horário fixo, ainda que em condições de verdadeira insalubridade mental.

5. Há furos nos horários dos alunos? Falta alguém (ou melhor, alguém ousou faltar, apesar das ameaças?). Temos os professores. Falta pessoal nas escolas do 1ºciclo para cumprir as precipitações das promessas eleitorais? Temos os professores.
Então e o meu know-how? Então o que eu aprendi e investi nas minhas três dezenas de anos de trabalho, que podia ensinar agora aos outros? Então, e os meus colegas mais novos, também vão para a fogueira connosco, num desemprego que podia ser transformado em actividade lectiva e produtiva (saberá a governação que o subsídio de desemprego gera incapacidade e solidão, provavelmente o pior dos males sociais do nosso tempo?).

6. Hipotecar as sinergias de que tanto precisamos, acusando os professores de uma calamidade que é, realmente, um sério problema de todos os países, na cegueira do consumo e a iliteracia, corresponde a hipotecar o futuro.
Apesar da pompa e da circunstância, apesar do “terramoto” de ideias avulsas e condenadas à sua auto-extinção, o ensino continua de rastos e o rei vai realmente nu.

7. Neste cenário, qualquer palco semelhante ao de um manicómio se afigura possível: pais a avaliar quando têm crianças para educar, crianças no limiar da miséria empurradas para a Escola como se de uma casa de correcção se tratasse, professores a ensinar sem condições psicológicas nem mentais, por razões de sobrevivência (porque não?). E os maus e bons professores, os profissionais “de carteira”, de primeira água, os jovens professores, sem retaguarda nem direito a ela, apostados numa Escola em que todos são, cada vez mais, carne para canhão.

8. Boas práticas? Aguardemos o tempo em que as cadeiras mais uma vez irão rodar, e as cabeças rolar, para ver por onde andam, e têm andado, realmente, os destinos da Educação em Portugal: sem rumo e sem norte, como de resto, todo o país, que empobrece cada dia que passa e se cobre de vergonha perante tanta mentira junta.

9. O mito da ministra competente porque é "dura" agrada a muitos, que acham que têm que se "educar" profissionais, a classe que lhe segura os pilares da educação, tratando-os como lacaios, desde que pisou a soleira do Ministério que "dirige" . Um dia saberemos a extensão dos danos colaterais desta atitude que, continental por excelência, em que se acusa, rejeita e manda, revelando uma "capacidade" de diálogo que é realmente um exemplo de más práticas, semelhante àqueles professores para quem os alunos são todos burros e não aprendem.


Nota: Não me vou pronunciar sobre aquele simulacro de discussão sobre violência nas escolas, com crianças de cara tapada, uma aula de descontrole total a ser filmada com câmara oculta (???), enquanto as "outras" as normais, ficaram atrás das câmaras. Custou-me ver um ex-bom pivot prestar-se àquilo.
Ler outros que nem eu aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui.



sejam bem vindos, mesmo que não venham por bem.


Armandina Maia

5 comentários:

tsiwari disse...

Eu sabia que era uma questão de esperar para te ler sobre esta aberração.

Intuía-te.

Valeu a espera. O texto tem a qualidade a que nos vais habituando.

Obrigado pela partilha (e pela amabilidade do link)

Bacci *

R.O. disse...

Um texto claro sobre um tema escuro: o papel do professor continua a ser subestimado e, passe a expressão, ultrajado. Parabens, MAM, por este post. E, indirectamente e nem tanto assim, obrigado.

PropranoLoL.

alecerosana disse...

Gostei do artigo, é importante defender a dignidade de quem ensina, a dignidade de quem aprende.
Alece

Margarida Bonvalot disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Margarida Bonvalot disse...

Amiga, passa "lá por casa", onde também se tem discutido esse malfadado assunto pais/professores...
Abraço.