Hino Nacional
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Do nacional ao mundial
passando por bandeiras maila santas milagrosas de sabor a macumba
Do nacional ao mundial
passando por bandeiras maila santas milagrosas de sabor a macumba
Um dia destes, diante das 25 criancinhas a quem tenho a honra de tentar ensinar Português, o debate foi parar às bandeiras nacionais “ para motivar a selecção”. Dei a entender, com uma eloquente torcidela de nariz, que me fazia alguma impressão ver a bandeira, os santos, as santas e a macumba vindas do Brasil a empurrarem a selecção para a gloriosa e inevitável vitória.
Os putos atalharam “S’tôra”, a nossa bandeira é linda!”. Fiquei ébria de orgulho nacional foleiro, daquele que todos temos um pouco por mais que o neguemos, e tratei logo de me pôr do lado deles.
Com a cabeça, os meus “sins” repetidos, fui no entanto metendo a mão na massa e, para exerimentar o barómetro, disse “Esperemos que os grandes não sejam tão maus como os pequenos, este é também o problema do país, blá blá blá, muita festa, muitas luzes, e a produção é a que se vê...” E acrescentei:
- Vocês não notaram que até o hino da Selecção para o Mundial diz qualquer coisa como “O que interessa é Portugal ...não é preciso chegar à final?”
André, o melhor aluno da turma, empertigou-se “SEI TUDO DE COR”. O hino, perguntei? Sim! Então vamos lá ouvir.
Com asas dos pés à garganta, ouviu-se a voz firme do puto “Heróis do mar....”. O resto da turma bebia, emocionada, o hino. Ninguém percebeu a troca.
Só eu.
Decididamente, as minhas teorias prévias estavam certas: as bandeirinhas, o hino nacional a Selecção e o povo deste país anda tudo a ser metido no mesmo saco.
Epílogo:
Eles também sabiam o hino da Selecção, mas não os conseguiam distinguir e muito menos a que lugar cada um pertencia. Ou seja, tudo à molhada e fé em Deus.
Daqui ao abismo, já nem um passo nos separa.
armandina maia
9 comentários:
E a culpa de quem é?? Nossa cara Armandina, esquecemos um pouco o "orgulho de ser português" (soou a foleirice? :)))
Um bom sábado de sol!
Minha cara alecerosana:
Foi precisamente o "orgulho de ser português", independentemente da "agenda" futebolística, que me levou a escrever este "post" e a dedicar grande parte da minha vida à promoção de uma cultura que merece ser conhecida, mesmo quando não há mundiais à vista....
Bem, mas isto ultrapassa, em larga escala, a crítica que fiz ao "sistema" que está sitematicamente ausente da tutela que lhe cabe. Culpa nossa? Pela parte que me toca, esfolei-me.
nota:
o sábado foi mesmo um óptimo sábado de sol. obrigada.
saudações cordiais.
armandina maia
a confusão é gerada, muitas vezes. pelo mediatismo das coisas e pelo imediatismo das gentes.
desmontando a euforia das benditas "bandérias", em cada varanda orgulhosas, o que nos resta é, na verdade, tão pouco.
é o que temos.
Na minha rua as bandeiras e o sol deste domingo entendiam-se muito bem. Que o futebol tenha devolvido o orgulho da bandeira nacional aos portugueses é qualquer coisa de espantoso. Mas fico sempre na dúvida: será que esta bandeira, ou a do Benfica, ou a do Porto, são tidas como símbolos equivalentes?
Outra coisa de que me lembrei: O Eugénio Lisboa escreveu um importante texto a propósito do Carrilho, reproduzido no Insónia (link no Ultraperiférico para "Um livro corajoso").
Se quiseres participar no debate do post Carrilho vs Media seria uma honra, além do mais interessa-me saber a tua posição.
Abraços, R.
Acho que estas contribuições são excelentes, porque nos completam o leque de informação de que dispomos. A "Vírgula" acrescentou um "Ponto" muito importante, que vem explicar ainda melhor a enorme confusão das "bandeiras" de cada patrão dos media visuais, que era era exactamente o abismo de que eu falava. Mas, não nos enganemos. A questão vai mais longe e mais fundo do que os hinos e bandeiras. Vende-se de tudo, por toda a parte, fazendo passar gato por lebre e já ninguém diz o rei vai nu. Uns porque não sabem que vai, outros por medo de perder os favores que arduamente conquistaram, etc., et., etc.,
armandina maia
Cara Armandina,
antes de mais parabéns pelo artigo, que é bem ilustrativo do que se passa. Ajudo à confusão com uma colherada. Há um anúncio publicitário - se não me engano, da Becel - que revela quase tudo do estado de coisas que descreve. Primeiro: o Mundial de futebol vende, vende muito, até manteigas e margarinas! Segundo: o personagem, atencipando as emoções do Mundial, prepara o coração - não pratica desporto, come Becel; mas mais importante: ele sabe que vai mergulhar num fenómeno que não controla, emoção pura, dependente de outros (os jogadores) e de tantas variáveis que só muito dificilmente a equipa que apoia - a selecção portuguesa, esta, tão-só esta, nada mais, um plantel simbólico é certo, mas de 20 e poucos jogadores, e não «Portugal» - muito dificilmente chegará à final. Ainda assim, aceita mergulhar na avalanche, esperançado de que chegará ao fim salvo; esquecendo o que o futebol para além da emoção, do nacional bandeirismo, dos fenómenos cíclicos, da corrupção, do aproveitamento político, do negócio, e para além do jogo esticamente bonito, que também é, quando é bem jogado - é apenas um jogo. O que importa é ganhar? Mas ganhar o quê?
Caros Lector "ed altri",
Nada do que está a contecer deveria ser novo para nós, habituados como estamos aos caminhos íngremes que as subliminares mensagens passam por tudo o que é canto: é deste modo que se fabricam cantores que não cantam, escritores que não escrevem, artistas "nacionais" que não têm talento.
As fasquias são curtas e a memória trata de as acompnahr, até par não sofrer demais com as comparações.
Mas uma verdadeira identidade, aquele que se constrói a partir do berço, TEM DE SER alicerçada numa relação de pertença/orgulho para com o país. A crise é portanto, perfeitamente legítima. Só mesmo com muito esforço poderíamos dizer que gostamos de pertencer a um país que anda à deriva há tempo demais, sem coragem para SER qualquer coisa: é que estão todos a olhar por cima do ombro, a ver quando é a vez de trocar de cadeiras..
Há, pode haver, mecanismos simples de limitar a publicidade, se esta ferir a aura da identidade. Mas, pergunto: será que alguém está interessado nisso?
Cara Armandina,
Atrevo-me a nova colherada, desta vez para pesar o conceito de «identidade».
De facto ele precisa de ser pesado, repesado, repensado, porque não só é volátil como, de tão leve e etéreo, se pode introduzir em frinchas de cérebros pouco tolerantes, como sabe. O que já se fez em nome da identidade nacional! Sei de que identidade fala, e não é desta. Fala da identidade que se funda na língua e na cultura (em todas as suas facetas: costumes, gastronomia, etc., etc.), para a qual inclusive trabalha. Essa é a identidade que vale a pena preservar e sobretudo afirmar e divulgar, por oposição à uniformização crescente do mundo (uma uniformização esterilizante em grau assustador) – em nome de uma cultura da diversidade fecunda… Agora há outra identidade, que por vezes se confunde com esta, porque ligada à História (construída quase sempre pela violência). Aí surgem os símbolos, como o da bandeira e o hino nacional. São símbolos que se fundam em conceitos a precisar urgentemente de revisão: o conceito de Estado-Nação e o de território. As tribos lutaram por recursos naturais contra outras e estabeleceram-se num território. Ora, o território e os recursos, sabemos hoje, são de todos e não apenas dos que há mais tempo habitam um lugar. Colocamos então os símbolos no caixote do lixo? Não. Vale a pena gostar de ser português – não é o que somos? –; mais: vale a pena atrever-se a ser, a existir, sem medo, como português. Ser português é algo que ainda podemos ser! E aí os símbolos podem ter a sua importância. Não necessariamente estes, mas não os do passado certamente!
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