sábado, maio 13, 2006

Schostakovitch e Jorge de Sena: "uns cantam e outros choram"

Photobucket - Video and Image Hosting
Aurélio da Paz dos Reis, Porto, Foz do Douro, s/d.

Para o Paulo Carvalho, pela sugestão deste cruzamento "altamente perigoso", como diria o O'Neill


Dmitri Dmitrievich Shostakovich, op. 110, Allegretto do Quarteto de Cordas nº 8 em Dó menor.
Powered by Castpost


L’ été au Portugal

Que esperar daqui? O que esta gente
não espera porque espera sem esperar?
O que só vida e morte
informes consentidas
em todos se devora e lhes devora as vidas?
O que quais de baratas e a baratas
é o pó de raiva com que se envenenam?

Emigram-se uns para as Europas
e voltam como se eram só mais ricos.
Outros se ficam envergando as opas
de lágrimas de gozo e sarapicos.

Nas serras nuas, nos baldios campos,
nas artes e mesteres que se esvaziam,
resta um relento de lampeiros lampos
espanejando as caudas com que se ataviam.

Que Portugal se espera em Portugal?
Que gente ainda há-de erguer-se desta gente?
Pagam-se impérios como o bem e o mal
- mas com que há-de pagar-se quem se agacha e mente?

Chatins engravatados, pelenguentas fúfias
passam de trombas de automóvel caro.
Soldados, prostitutas, tanto rapaz sem braços
ou sem as pernas – e como cães sem faro
os pilhas poetas se versejam trúfias.

Velhos e novos, moribundos mortos,
se arrastam todos para o nada nulo.
Uns cantam, outros choram, mas tão tortos
que a mesquinhez tresanda ao mais singelo pulo.

Chicote? Bomba? Creolina? A liberdade?
É tarde, e estão contentes de tristeza,
sentados em seu mijo, alimentados
dos ossos e do sangue de quem não se vende.

(Na tarde que anoitece o entardecer nos prende).

Lisboa, Agosto 1971
Jorge de Sena

Sem comentários: