sexta-feira, julho 07, 2006

os heróis possíveis para um país a precisar de muitos heróis para ser gente

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Mercedes Soza canta Los Hermanos
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1. Eu também me grudei no televisor, primeiro a torcer o nariz, muito crítica, muito (cons)ciente dos maus dinheiros que giram por baixo das mesas nas bancas do futebol. Até escrevi o Hino, qual hino?

2. Mas, por medo de ficar excluída (hipótese pouco provável, dado o meu longo traquejo em saber o que não quero) ou por, simplesmente, querer ver Portugal subir um degrau, qualquer que fosse, em terras europeias -pois era disso que se tratava, a certo ponto - acabei por passar boa parte do tempo como qualquer mortal: à espera do jogo. O último, dizia para mim, a serenar ânimos sebastianistas e assim acaba-se a espera e a esperança. Enquanto dizia isto, a esperança crescia, como um polvo.

3. Lembrei-me do Eusébio, a chorar de raiva, um touro diante de uma grande gaiola que era o mundo para o pequeno império português de onde vínhamos. Foi há quarenta anos. e, no meio de muitas recordações que o meu cérebro apagou instantaneamente num dia fatal (que fica para depois), lembro-me com nitidez de todo o jogo, dos cantos, do milagre que, se calhar, havia na dobra da esquina.

4. O futebol daquele tempo não está fora de moda. Foi o futebol do nosso tempo que se tranformou numa palavra passe com acesso permanente a jogo sujo, dinheiro, sujo, vida suja. Não são os jogadores que são assim: é o sistema, o comércio, os saldos de homens como se de bestas ainda se tratasse, os heróis que se esquecem, porque a imprensa não andou de olho neles (veja-se o "tratamento" dado a Miguel, neste Campeonato", os heróis intocáveis a quem nunca se aponta o dedo, mesmo que as imagens nos devolvam falhanços claros (que claramente acontecem a todos!).

5. Persegue-me esta mania de explicar tudo: de onde vem a mística do futebol, que segredo guarda para mover montanhas?
Temos que aprender a fazer o mesmo com as causas do país: abalá-lo, sacudi-lo, reconstruí-lo, sem nunca nos deixamos iludir pelas "boas" medidas que nos hão-de tornar um grande país.

6. Portugal NÃO É um grande país. É um país que viveu acima das suas posses durante séculos, até aprender a manha de não trabalhar, do biscate, do desenrascanso, das férias entre duas pontes, na vidinha de cada um como se ninguém fosse de todos.

7. Agora temos tudo o que há na Europa, até futebol sem jogo, como se viu, com resultados previsíveis, como também se viu. Temos também banda larga, embora grande parte do país viva num mundo por onde ela não passa. E temos fornadas de desempregados, eternos formandos, que mais não é que outra maneira de escrever desemprego. E os túneis sem saída. Os ordenados de miséria, as pensões que nos deviam fazer baixar os olhos quando nos cruzamos com uma velhota pobre e triste, mas sobretudo pobre, os remediados, as contas adiadas, as insónias por causa das contas adiadas, do trabalho que não há, dos empresários que fogem pela porta grande, dos empregos comprados, com cunhas do pai que é motorista do patrão, com olhares distraídos à perna do chefe que encosta de mansinho na nossa, com florinhas frescas na secretária da mulher do cacau, como eu vi fazer, anos a fio.

8. Um dia destes ponho-me a contar a história destes futebóis, que ninguém está ver, mas que temos que saber que existem, nesta Luz de Presença, vigilante ao roubo perene da vitalidade, empenho e audácia dos portugueses.

9. Não foi a Selecção que perdeu o jogo. Foram as muitas governações desgovernadas que perderam a jogada, por não terem (ainda) conseguido criar uma imagem digna para este país que exporta há décadas o seu bem mais precioso: mão de obra barata, que aprende depressa e pinta a manta a trabalhar, competindo com os "da terra", embora sem reconhecimento, de cá nem de lá. Como disse, muito sincero, muito lábil, mas muito bem, Cristiano Ronaldo, somos um país humilde.

10. Só mesmo por milagre Portugal conseguiria, em terreiro alheio, venver/ bater as manhas, as piscadelas de olho.
Lá fora, somos não só um país humilde, mas um país que ninguém sabe muito bem onde fica, que língua fala. Uma gentinha gentil e acolhedora, é certo, mas que não sabe onde é o seu lugar. Por isso está ali a mais, à mesa de um jogo que já não lhe pertence: é dos poderosos que tecem campanhas há séculos a sonhar grandezas e a roubar as dos outros como podem.


armandina maia

3 comentários:

tsiwari disse...

mais nada!

**/**

bettips disse...

Sim, as suas palavras também são para mim! Que bom que as minhas imagens sejam também para si.

R.O. disse...

Que lucidez...!
Abraços, Roteia.