domingo, abril 08, 2007

sinais de vida- palavras para matar a ausência

desenho e colagem de António Ferra

Com uma religiosidade que me é de todo estranha, todos os dias me sentava aqui e fazia o meu trabalho, um alívio para alma pesada de então. Depois, ou antes, (não havia uma ordem certa)percorria os lugares outros, que me enchiam de uma rara e límpida alegria. Como se os olhasse nos olhos, dizia-lhes o que via, sublinhando a qualidade de muito do material que por estes blogs circulam.

A pouco e pouco, porém, as palavras abandonaram-me. Ficou o lugar perene no computador e um acumular de culpas pela sistemática ausência do meu posto. Claro que, como quase todos, tinha espaçado os meus sinais de vida, mas nada justificava este abandono.

Um destes dias, ao voltar de uma sessão em que muito falámos de abandono, dos sabidos e dos não sabidos, dos consentidos, dos encobertos, dos silênciosos que nos matam a alegria. Abandonos de anos, de décadas, que nunca quisémos admitir a nós próprios. Nós, os donos da vitória efémera, os sequiosos das palavras como das fontes puras de cristal, nós, os não vendidos, sôfregos de um mundo que já pouco mais é que um mercado, onde todos se vendem e compram, perante a nossa impotência em travar a ralé sem sentimentos nem consciência pública que nos rouba o pão, a paz e a educação.
Foi aí que vi o deserto do mundo e das palavras, aproximarem-se, vertiginosamente, num carrocel onde não se distingue já quem é quem.
Senti-me orfã, de tantas coisas passadas, mas sobretudo, orfã das palavras com que se escreve futuro para gente como nós.
Abraços,

armandina maia

10 comentários:

tsiwari disse...

e, um mês depois, voltaste a dar sinais de ti ... com um texto ao nível dos anteriores - a excelência da tua escrita faz-me espreitar muitas xxx's o teu canto na rede.

que esse desencanto seja aniquilado por uma cantiga tua - de agudos subidos, de graves sumidos.


***

bettips disse...

Faz falta a tua voz, mesmo que se não mate a sede. De além. Aconchega-se a saudade.

Anónimo disse...

parabéns, excelente texto.

bettips disse...

...então, que se mate a ausência. Há ainda a corrente da palavra, solta e livre. Bjinho

Nuno Gouveia disse...

entre as voltas, para lá e para cá,
também eu sinto esse acordeon a tocar-me nas mãos neste salão virtual, mas já conheço o prazer de regressar a esta música, e o prazer do nosso coro diletante, a entoar aleluias com verdadeira redenção.
Bem vinda, querida amiga no salão.
tenho-me lembrado de si.

p.s. ao ler este seu texto maravilhoso, encontrei a palavra carrocel, de que gosto tanto ao ponto de ter um blog com este nome, só que carrocel, contráriamente ao diz o nosso saber empirico, não se escreve dessa forma, mas sim: carrossel.
só depois de baptizar o meu blog, me dei conta do erro, que é dos mais injustos que conheço, em toda a lingua portuguesa.

Beijinhos.

Nuno Gouveia disse...

como acabei de comprar um dicionário de sinónimos, deixo-lhe os mais interessantes de abandono.

Cessão
Deixação
Derrelição
Desabrigo
Desafectação
Descuido
Divorcio
Esquecimento
Naturalidade
Simplicidade
Soledade
Solidão

bettips disse...

Tantas vezes o sinto. E orfãs do futuro para gente como nós, porque não trocar palavras, irmãs? Das que nos asseguram que vivemos, ainda, gente como nós. Abç

bettips disse...

Venho e ainda, aliviar a saudade e olhar uma luz pequenina, luz de presença. Deixo-te borboletas. Das do dia. Bjinho

a.r. disse...

Parabéns pelo seu blog!

Convido-o a visitar http://www.lnslns.blogspot.com/
e, se achar oportuno, a deixar um comentário/sugestão!

bettips disse...

Problema é a memória! E nunca me esqueço do que gosto... (também do que não gosto!) Agosto 7.