segunda-feira, dezembro 26, 2005

natais pequeninos (a propósito de natal, recordação de 2004)

Recolhem-se os pedaços de fita que ainda podemos aproveitar, restos de embrulhos, sobras da comida que ainda imitamos, por persistir na memória das coisas.
Se calhar, mais do que tudo, existimos nela, a tal memória que nos cola os cacos que um dia nos aparecem à frente como uma barreira intransponível. uma daquelas barreiras pequeninas e cobardezinhas, que cortam o olhar de quem quer passar além.
Vivemos todos atrás de uma barreira assim, pequenina e cobarde.
Só a memória leva até ao outro lado.
Eu sou só a mais longa memória do que vivi, do que vi e do que pressenti. e sou ainda a viagem constante entre rostos que me deram a vida que todos os dias me sobra, do muito que já me coube.
Quero cada vez menos natais pequeninos de shoping center, habituada como estou às mordomias de natais diários, em trocas de amigos que vão onde eu for, onde quer que seja o norte.

natal adiado

Ficou longe, como se a retina tivesse embaciado, o Natal grande, à volta de uma mesa que pensávamos eterna. Hoje, temos uns natais pequeninos, feitos de restos dos sonhos que ainda não cumprimos. Esperamos – ainda - o natal que nos abrigue, num templo em que cabem todos os deuses e ninguém se esquece dos que sofrem, dos que morrem de solidão e desamparo, das crianças não amadas, dos que sobram nas famílias. Dormiremos a sono solto, um dia, quando o Natal for para todos, como as praças das cidades, as árvores das montanhas, os mares de todos os tempos, o céu de todos os mares.